«Querido diário, hoje de manhã acordei sobressaltada, com um mau pressentimento. Acordei toda despenteada, com umas olheiras enormes, e sem vontade nenhuma de me levantar da cama. Quando me levantei fui lavar a cara e arranjar-me para ir para a escola. Depois de tomar o pequeno almoço estava pronta, mas mal disposta e a minha mãe perguntou-me logo o que tinha, mas como nem eu sabia, disse que não tinha nada, então ela abriu a porta e levou-me para a escola de carro.
O dia de aulas foi divertido, mas tinha terminado. Estava no recreio, à espera da minha mãe, que por muito estranho que pareça se estava a atrasar e já só lá estavam um menino e uma menina da minha turma, o dia estava a tornar-se aborrecido. Fui ver se via o carro dela, e enquanto espreitava reparei numa casa mesmo ali ao lado com a janela aberta, e vi um casal que já há uns dias tinha visto no jardim (a mulher nesse dia estava com um olho negro, e quando olhei para ela, fiz uma cara de susto, acho que reparou e olhou para mim com um olhar triste, mas depois sorrio). Desviei o olhar porque pareceu que me viu outra vez mas desta vez ficou aflita, (não sei bem porquê até porque eu já não estava despenteada nem com muitas olheiras) mas como eu sou tão curiosa não resisti e voltei a olhar mais uma vez para lá e agora arrependo-me tanto, tanto de o ter feito! Nem quis acreditar no que os meus olhos viam, o mesmo homem que estava com ela naquele dia no jardim, estava agora mesmo ali no quarto, mas desta vez furioso, a dar murros, chapadas e pontapés naquela pobre mulher!
Já estou no quarto ano, não sou muito burra e sei muito bem que aquilo se chama violência doméstica e hoje em dia já é tão comum, mas eu não consigo perceber como é que aqueles homens (que nem deviam ser considerados homens!) são capazes de tal coisa! Acho que é tão cobarde da parte deles...
Mas voltando ao casal, ela chorava de dor, notava-se nos olhos dela, e aquele homem sem escrúpulos não parava de lhe bater nem por nada, Já se via sangue, os olhos da mulher estavam ainda mais negros que no outro dia e ela com certeza que não conseguia suportar mais dor, até a mim me estava a doer, mas apesar disso eu não conseguia tirar os olhos dali...
A educadora dos mais pequeninos estava-me a chamar e quando vou para olhar para ela, reparo que havia uma terceira pessoa no cantinho daquele quarto, todo encolhida, uma menina mais ou menos da minha idade, um pouco mais nova talvez. Ela chorava com as mãos nos ouvidos, devia ser para não ouvir os gritos de dor da mãe ou os gritos de raiva do pai, e a mim vieram-me as lágrimas aos olhos, tal como agora a escrever isto, mas sabes porquê diário? Porque parece o retrato lá de casa.»
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